sexta-feira, 29 de junho de 2007

O PODER DAS PALAVRAS

Por Edgar Allan Pöe.

(Do Grego: Oinos, o Vinho; Agathos, o Bem)

Oinos: – Perdoa, Agathos, a fraqueza de um espírito que a imortalidade só há pouco revestiu!
Agathos: – Nada disseste que necessite de perdão, Oinos. Nem mesmo aqui o conhecimento é produto da intuição. Pede sabedoria aos anjos, livremente, e ela te será dada.
Oinos: – Mas eu sonhei que nesta existência ficaria imediatamente conhecedor de todas as coisas e tornar-me-ia, assim, imediatamente feliz, por conhecer tudo.
Agathos: – Ah! a felicidade não está no conhecimento, mas na aquisição do conhecimento! Sabendo para sempre, seremos para sempre venturosos; saber tudo, porém, seria diabólica maldição.
Oinos: – O Altíssimo, contudo, não conhece todas as coisas?
Agathos: – E isso (visto como ele é o Sumamente Feliz) deve ser, todavia, a única coisa que mesmo Ele desconhece.
Oinos: – Desde, porém, que a cada hora aumentamos o saber, não deverão afinal ser conhecidas todas as coisas?
Agathos: – Contempla as distâncias do abismo! Tenta forçar o olhar pela multidão dos panoramas das estrelas, enquanto vagarosamente atravessamos por entre elas, sempre e sempre! Não é a própria visão espiritual completamente detida pelas intermináveis muralhas de ouro do Universo? Por essas muralhas de miríades de corpos cintilantes, de que só o número parece fundir-se na unidade?
Oinos: – Claramente percebo que o infinito da matéria não é um sonho.
Agathos: – Não há sonho no Éden; mas aqui se murmura que o único objeto desse infinito de Matéria é produzir fontes infinitas, nas quais a alma possa saciar a sede de conhecer, que é nela, para sempre, insaciável, uma vez que saciá-la seria extinguir a própria alma. Fazei-me pois perguntas, meu Oinos, franca e destemidamente. Vamos. Deixaremos à esquerda a elevada harmonia das Plêiades e desceremos rapidamente do trono para as campinas estreladas além de Orion, onde, em vez de amores perfeitos, violetas e goivos silvestres, estão os canteiros dos sóis tríplices e tricolores.
Oinos: – E agora, Agathos, enquanto continuamos, instrui-me! Fala-me da linguagem familiar da terra. Não compreendi até agora o que me deste a entender, a respeito dos modos ou dos processos daquilo que, quando mortais, estávamos acostumados a chamar Criação. Queres dizer que o Criador não é Deus?
Agathos: – Querer dizer que a Divindade não cria coisa alguma.
Oinos: – Explica-te.
Agathos: – Somente no começo é que a Divindade criou. As criaturas aparentes, que se vêm formando perpetuamente, por todo o Universo, podem ser consideradas apenas como resultados mediatos ou indiretos, e não os diretos ou imediatos, do poder criador da Divindade.
Oinos: – Esta idéia, meu Agathos, seria considerada extremamente herética entre os homens.
Agathos: – Entre os anjos, meu Oinos, é vista como uma verdade simples.
Oinos: – Posso compreender até aqui que certas operações do que chamamos natureza, ou leis naturais, podem, sob certas condições, dar origem àquilo que tem toda a aparência de criação.
Pouco antes da destruição final da terra realizaram-se, lembro-me bem, com pleno sucesso, muitas experiências daquilo que certos filósofos foram bastante fracos para denominar a criação do animálculo.
Agathos: – Os casos a que te referes eram, de fato, exemplos da criação secundária, a única espécie de criação que jamais houve, desde que o verbo falou, dando existência à primeira lei.
Oinos: – Não são os mundos estrelados, que, a cada instante, irrompem nos céus, vindos dos abismos do Nada, não são essas estrelas, Agathos, a obra imediata do Rei?
Agathos: – Tentarei, meu Oinos, guiar-te, passo a passo, até à concepção que objetivo. Estás bem certo de que, da mesma forma que nenhum pensamento pode perecer, assim também nenhum ato existe, sem resultados infinitos. Movíamos, por exemplo, nossas mãos, quando vivíamos na terra, e, ao fazê-lo, imprimíamos vibrações à atmosfera circundante. Essa vibração estendia-se indefinidamente, até dar impulso a cada partícula do ar terrestre, que, daí por diante, e para sempre, era agitado pelo simples movimento da mão. Os matemáticos de nosso globo bem conheciam tal fato. Fizeram da verdade, dos efeitos peculiares produzidos nos fluidos pelos impulsos especiais, um objeto de cálculo exato, de modo que se tornou fácil determinar, em que período exato, um impulso de determinada extensão circularia o orbe e influenciaria (para sempre) cada átomo da atmosfera circum-ambiente. Retrocedendo, não encontraram dificuldade em determinar, por um efeito dado, sob determinadas condições, o valor do impulso original. Ora, os matemáticos, que viram serem os resultados de qualquer impulso conhecido inteiramente sem fim; que viram ser possível rastrear cuidadosamente uma parte dessas conseqüências, por meio da análise algébrica; que igualmente viram a facilidade do cálculo retrocessivo; esses homens viram, ao mesmo tempo, que tal espécie de análise continha em si mesma a capacidade de infinitos progressos, que não havia limites concebíveis para seu avanço e sua aplicabilidade, exceto os do intelecto de quem a conduzia ou aplicava. Nesse ponto, porém, nossos matemáticos pararam.
Oinos: – E por que, Agathos, iriam continuar?
Agathos: – Porque, além disso, havia diversas considerações de profundo interesse. Do que sabiam, deduzia-se que um ser de infinita inteligência, alguém a quem a perfeição da análise algébrica não apresenta mistérios, não teria dificuldade em seguir qualquer impulso dado ao ar, e dado ao éter pelo ar, até às mais remotas conseqüências, mesmo em qualquer época do tempo, infinitamente remota. É, com efeito, demonstrável que qualquer impulso semelhante, dado ao ar, deve, no fim, influenciar cada ente individual, que exista dentro do universo; e o ser de infinita inteligência, o ser que imaginamos, poderia acompanhar as ondulações remotas do impulso, segui-Ias mais além, em suas influências sobre todas as partículas de toda a matéria; e, mais além, eternamente, em suas modificações das velhas formas, ou, em outras palavras, em suas criações do que é novo; até que as encontrasse refletidas, e ineficientes afinal, depois de irem de encontro ao trono da Divindade. E não somente um ser assim poderia fazer isso, mas em qualquer época, fosse-lhe fornecida uma conseqüência qualquer, fosse, por exemplo, apresentado ao seu exame um desses inúmeros cometas, ele não teria dificuldade em determinar, pela retro gradação analítica, a que impulso original devia o cometa sua existência. Tal poder de retrocessão, em sua absoluta perfeição e plenitude, tal faculdade de coordenar, em todas as épocas, todos os efeitos e todas as causas, é, naturalmente, prerrogativa apenas da Divindade. Mas, em todas as variações de grau, inferior à perfeição absoluta, é esse mesmo poder exercido pelo exército inteiro das inteligências angélicas.
Oinos: – Mas falas simplesmente dos impulsos dados ao ar.
Agathos: – Ao falar do ar, reporto-me apenas à terra; mas a proposição geral refere-se a impulsos sobre o éter, que, visto como enche, e enche sozinho, todo o espaço, é por isso o grande meio de criação.
Oinos: – Então todo o movimento, de qualquer natureza, cria?
Agathos: – Deve ser; mas uma verdadeira filosofia há muito ensinou que a fonte de todo movimento é o pensamento e que a fonte de todo pensamento é...
Oinos: – Deus.
Agathos: – Tenho-te falado, Oinos, como a um filho da bela terra, que recentemente pereceu, de impulsos sobre a atmosfera da Terra.
Oinos: – Sim, é verdade.
Agathos: – E enquanto assim falava, não te atravessou a mente alguma idéia, a respeito do poder físico das palavras? Não é cada palavra um impulso sobre o ar?
Oinos: – Mas, por que Agathos, choras? E por que, oh! por que as tuas asas desfalecem, ao pairarmos sobre esta bela estrela, que é a mais verde e, contudo, a mais terrível de todas as que temos encontrado em nosso vôo? Suas brilhantes flores parecem um sonho de fada, mas seus potentes vulcões lembram as paixões de um coração turbulento.
Agathos: – Não se parecem, são; são sonhos e paixões! Essa estranha estrela, faz agora três séculos que, com as mãos entrelaçadas e os olhos rasos d'água, aos pés da minha amada, eu mesmo a criei, proferindo palavras apaixonadas. Suas brilhantes flores são os mais amados de todos os sonhos irrealizados e seus coléricos vulcões são as paixões do mais turbulento e do mais profanado dos corações!
o - O - o

quarta-feira, 27 de junho de 2007


Borboleta,
Antes de asas
Seu casulo são grades

Asas pequenas
Vermelhas, amarelas, castanhas
Ou já nascem grandes

Deslizo por sua pele
Sinto o teu cheiro
O teu gosto, teus lábios

Leva-me para longe
Mesmo que seja
a maior das ilusões

Agora estou neste casulo
Talvez para me transformar em morcego.
Única consciência que tenho é a de lagarta.

Todas as suposições ou verdades sobre mim
Nesta transitoriedade são falsas
Tudo pode ser uma farsa

Um conteúdo de cor e sabor desconhecidos
Em lodo de pés enraizados sem ternura
Somente o não querer.

Sem paredes, chão ou espelho,
Espinhos ou flores destiladas de veneno
É o que pode ser o enfeite bonito

Neste invólucro em que dias e noites
São escuros, discernir pelo som
Deixa os outros sentidos desnecessários

É uma pausa de mil compassos
De intervalos na expiração
Que prossegue sem fôlego

Já não me sinto mais dissolvido em água
Jogado pelo ralo,
Somente importa o não ser.